sexta-feira, 19 de outubro de 2012

PRECISO REALIZAR UM TRATAMENTO CLÍNICO EM UM CAVALO COM TRAUMAS COMPORTAMENTAIS... E AGORA?

Minha última postagem motivou uma pergunta, por parte de uma colega médica veterinária, da qual a resposta eu quero compartilhar aqui com todos.

"Gostei muito do blog... E gostaria de lhe perguntar, qual é a melhor forma de se portar frente a um cavalo que é maltratado, assustado e que sofreu algum tipo de lesão e não deixa realizar o tratamento em seus ferimentos?? Eu pergunto a você, pois sou veterinária e não gosto de ficar passando cachimbo e sedando..!! Queria entender outros métodos...!!!"

Cavalos com trauma por maus tratos e agressões exigem uma postura diferente da nossa parte, por duas razões básicas:

Primeiro porque quanto mais agressão sofrem, mais medo terão, e mais agressivos ficarão também, com intensão de se defender... Isso funciona como uma bola de neve, e quanto mais contenção física utilizares, pior ficará a situação. Até o ponto em que se tornará impossível realizá-la.

Segundo porque o trauma transforma o cavalo. Estes passam a não apresentar um comportamento previsível. Suas reações tornam-se instáveis e inesperadas, de modo que o risco de acidente de trabalho para o cavalo e para quem o maneja multiplica-se de forma muito relevante.

A coisa mais importante que temos que ter em mente quando manejamos um cavalo que tem um trauma e está com um ferimento é que este animal é a soma de dois sentimentos: MEDO e DOR.

A partir disso, todas as nossas ações devem ter como objetivo tirar medo e aliviar dor. Neste sentido, meu plano é ganhar a confiança deste cavalo, com uma linguagem clara e objetiva, a fim de mostrar para ele que não represento perigo, mas que comando a situação (utilizo muito o REFORÇO POSITIVO para isto). Depois sim, vou ao objetivo final que é o tratamento.

A nível de exemplo: supondo que existe uma lesão no membro anterior e o cavalo não permite o toque. Começo a tocá-lo pelo pescoço ou pela cernelha, com a intenção de tocar a paleta... e vou descendo a mão devagar e progressivamente até o local onde o cavalo se incomode com a minha mão (pode ser antes da lesão). Ali deixo minha mão até que ele pare com as tentativas de tirá-la dali.

Neste momento, é a hora de reforçarmos positivamente: Fazer um carinho na testa e sair breves segundos de perto do animal. Assim eu vou até que me permita chegar no local da lesão... Sempre liberando a pressão quando ele permitir o que eu desejo. 

No momento em que chegamos na lesão, ou no local onde queremos chegar, CUIDADO! Muita gente erra exatamente neste momento, por ansiedade! No momento em que conseguimos chegar, devemos ALIVIAR A PRESSÃO, tirar a mão. Ao contrário disso, o que mais se vê é a tentativa apressada de realizar o tratamento logo. Então, quando chegares onde quer, dê uma pausa, tome uma água, prepare a medicação... Dê ao cavalo a oportunidade de perceber que desejamos apenas chegar ali.

O passo seguinte sim, é chegar a este ponto com naturalidade e realizar o procedimento. Aqui escrevendo, parece um manejo demorado e custoso, mas não é... Verão logo os que tentarem, que este método é mais rápido e mais seguro, e que dá resultados.

Quero lembrar aqui também, que alguns medicamentos, principalmente em embalagens "spray", podem causar medo e, por consequência, reações por parte do cavalo. Algumas "jateadas" deste spray antes, para que o animal escute o barulho e se prepare para recebê-lo são úteis também!

Devemos levar em conta que o pensamento do cavalo é associativo. Ou seja, ele vai associar uma ação humana com o resultado desta. E a partir daí ele vai julgar se faz bem ou faz mal para ele. Isso é importante porque nós, enquanto humanos, enxergamos uma agulha como algo necessário para um tratamento, ao passo que os cavalos enxergam o mesmo objeto como causador de dor!

Outra coisa importante a se considerar é que quando COLOCAMOS uma pressão em um cavalo, estamos indicando, apenas, que queremos algo dele. O aprendizado ocorre justamente no momento em que TIRAMOS a pressão... Aí é que ele entende “Ahh, era isso que ele queria de mim...” Neste sentido, tem mais informações nesta postagem aqui.

Muitas vezes eu ouço que meus métodos demoram... Pode ser que demore mais no primeiro dia, sim! Mas no segundo dia vai demorar um pouco menos, e assim por diante até o dia em que não vai demorar... A repetição e a confiança fazem com que o trauma desapareça e, com isso, diminua o tempo de manejo ao longo dos dias.

Já outros métodos, mais rápidos nos primeiros dias, como colocar cachimbo e até sedar (por conta da agulha) levam o cavalo a mais traumas, mais desconfianças... e a um aumento no tempo de manejo ao longo dos dias... 

Os caminhos são inversos, entende? Eu prefiro dedicar um tempo a mais no início, para em poucos dias ter um animal mais confiante e que me permite qualquer manejo, do que de poupar tempo inicialmente e ter um animal cada vez mais desconfiado, perigoso e que despende de cada vez mais tempo para manejá-lo.

Porém, para finalizar, quero alertar sobre uma situação onde o bem-estar animal deve vir em segundo plano: São as EMERGÊNCIAS! Em casos assim, onde minutos podem fazer toda a diferença entre VIDA e MORTE, salvar o cavalo é o primeiro plano! Nestes casos, deve-se utilizar o método mais rápido de contenção disponível. 

Se tem que derrubar, derruba! Cuida a cabeça pra não bater com força no chão e derruba! Tem que sedar logo para uma cirurgia de cólica para salvar a vida do cavalo! Bote cachimbo, faça prega no pescoço, levante pata... Enfim, salve! Ou, pelo menos, faça tudo para isto. Depois sim, com o animal estável e a salvo, para um pós operatório mais tranquilo, com menos estresse, mais seguro e mais eficaz!

Dúvias? Dicas? Sugestões? Um abraço!


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